Cinza
o dia em que ficou instituído
que
toda bela, dócil e frágil
deve
sempre ser a flor.
Deve
chorar cada pétala caída
e
toda rubra, mansa e sofrida
acatar
inteiramente toda a dor.
toda
meiga, ávida e sentida
resguardando
na beleza seu calor.
Ah,
que ledo engano se comete
ao
crer que em seu lugar ela fragilmente permanece
entoando
vossos hinos de louvor.
Não
confundir doçura e docilidade
nem
na calma longamente aprendida
uma
ausência de luta com ardor.
Pois
é na lida diária de reinventar-se
e
seguir toda espinho, sonho e realidade
que
ela transfigura o fardo de ser flor.
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Da morte e outras permanências
Encontrei-te
na rua ontem! Ou vi somente uma foto?
Não
sei. Os bilhetes de sempre na gaveta me esquecem o lógico.
Veja
bem, não te procuro mais nem na cozinha nem na sala
Mas
mesmo a chaleira sozinha deixa refém um cheiro de café na casa.
E há
ainda uma conta que vem. Um hábito que o porteiro mantém.
Todo
um “quê” que perdeu seu “quem”.
Não
é tanto uma saudade. Nem, talvez, uma dor de ausência.
Mas
ah, como é estranho,
Que
os vestígios da tua partida
só
contem da tua permanência.
Dizem:
é preciso de vez enterrá-lo.
Repetem:
feche o ataúde, é tudo monumento.
Não
veem? Todos os teus túmulos te retém.
(Nossos
mortos não morrem porque nossos
Nossos
mortos não morrem enquanto nossos
Nossos
mortos são nossas esquinas.)
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Sinastria
Há
três nomes que me creem a mulher do seu destino:
o
nome escrito na carta, nos astros,
o
encontro só ainda sem data.
Há
três nomes que me conjugam sempre futura
e,
ainda assim, exata;
Como
se mais que Norte eu fosse mapa.
Não
sabem que meu desatino é, parada, despertencer ao chão,
desobedecer
à verdade da rota por mim traçada.
Enquanto
esperam em qual esquina ou rua me encontrarão,
Eu
construo cidades.
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Ode à incerteza
Eu,
que sou feita de cantos,
temo
um tanto o que é por demais reto.
É
que nas esquinas escondo o encanto
dos
passos perdidos em ruas desertas.
Se
na curva a meta não lembro,
faço
do andar uma aventura secreta;
bifurco
a estrada conforme caminho,
esqueço
a chegada e tortuo a régua.
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Um jacaré que come flores
O
mundo não é cinza. Nem é colorido.
É
uma sereia contra o mar revolto.
É
a enchente que fecunda o Nilo.
É
um jacaré que come flores,
O
terrível que do belo se alimenta.
Improvável
harmonia.
xxx
Canção ao marinheiro
Sei
que o acordo foi que eu fosse porto
esteio
certo para tua embarcação errante
ancoradouro
firme e distante
pronto
a acolher-te quando viesses barco
mareado
desse velejar constante, de mar e mundo farto
Sucede
que o mesmo vento que te fez descrever outro arco
Soprou
para além do teu caminho vário
Correu-me
o cais deserto, levou-me vigas, causou estrago
Mas
descobri contente que o chão que se desprende flutua ao largo
É
que, diferente da beleza de velar por vasta frota
Ser
porto seguro de navio algum é fardo
Por
isso, não posso ser porto, pois ora parto
Largo
amarras e desato a corda
Grito
adeus e cruzo a imaginária porta
Até
o mar, marinheiro
Mariana Imbelloni nasceu
em 1989 no Rio, mas foi adotada por Minas e virou mistura dos dois. Feminista,
formada em História, quase-formada em Direito, anda tentando estar no mundo
através da pesquisa e da advocacia, mas é na poesia das terças no Corujão que
ela mantém alguma (in) sanidade. Mantém o blog feminituraseliteralismos.blogspot.com
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